Ivan, zagueiro histórico do E.C. União Santa Cruz
Por Leonardo Soares dos Santos, Historiador e professor da UFF/Campos
Publicamos aqui a entrevista com Ivan Lourenço, um dos maiores zagueiros da história do Santa Cruz. Nela, o ex-zagueiro conta um pouco da sua vida, de sua trajetória no esporte, como o time era organizado e a relação dos jogadores com a usina Santa Cruz e o usineiro William Pitman.
Essas e outras entrevistas fazem parte do projeto "História dos times de Usina de Campos dos Goytacazes". Ele foi desenvolvido em 2023 e levantou várias entrevistas com ex-jogadores.
Pretendemos assim contribuir com a preservação da memória de um aspecto valioso da história da classe dos trabalhadores e trabalhadoras rurais de Campos.
Boa leitura!
L.S. - Ivan, diz para a gente qual o seu nome completo.
I.L.C. - Ivan Lourenço de Carvalho.
L.S. - Onde você nasceu? Nasceu aqui mesmo em Santa Cruz?
I.L.C. - Santa Cruz. Nascido e criado.
L.S. - Que ano?
I.L.C. - 17 de novembro de 1963.
L.S. - Fez aniversário agora, né? Fez. Quais são os nomes dos seus pais?
I.L.C. - Juvenil Pereira de Carvalho e Aremeta Lourenço de Carvalho.
L.S. - Eles eram daqui também, de Santa Cruz?
I.L.C. - Meu pai veio para cá na faixa de uns 10, 12 anos, mas ele é de São Fidelis.
L. S. - E a senhora sua mãe?
I.L.C. - Minha mãe é de Santa Cruz.
L.S. - E eles chegaram a trabalhar na usina?
I.L.C. - Sim, meu pai trabalhava.
L.S. - A sua mãe era dona do lar?
I.L.C. - Dona do lar.
L.S. - E o seu pai trabalhava em que setor da usina?
I.L.C. - Meu pai trabalhava no armazém.
L.S. - Armazém, né? O prédio do armazém existe ... aquele amarelo?
I.L.C. - Isso, só tem prédio.
L.S. - Entendi. A sua situação civil, você é casado, solteiro?
I.L.C. - Casado.
L.S. - Qual a sua escolaridade?
I.L.C. - Fiz até a oitava.
L.S. - Até a oitava, né? Onde você estudou?
I.L.C. - César Tinoco e Cestiape.
L.S. - Então, quando é que você começou a jogar no time da usina Santa Cruz?
I.L.C. - A data, eu não me lembro, porque eu sempre joguei aqui no Santa Cruz. Comecei no primeiro time do Santa Cruz com 17 anos.
L.S. - E é chamado de juvenil?
I.L.C. - Eu comecei no infantil, foi o primeiro ano que eu disputei, eu tinha 15 anos, aí com 17 eu fui o primeiro time de Santa Cruz.
L.S. - E você trabalhava na usina também?
I.L.C. - Trabalhei, aqui tinha a refinaria que empregava, de 14 a 17 anos e meio, quando ia servir, o exército liberava e voltava quando dava baixa.
L.S. - Você trabalhava, então, na refinaria?
I.L.C. - Trabalhei na refinaria, menor de idade, depois voltei para a usina, trabalho na moenda.
L.S. - E qual era a sua posição no time, em campo?
I.L.C. - Zagueiro.
L.S. - Teve alguém que te indicou para o time da usina?
I.L.C. - Não, não. Sempre joguei nas divisões de base, infantil, juvenil, e cheguei até o primeiro time.
I.L.C. - Joel Lourenço.
L.S. - E assim, como era o treinamento? Você lembra dos dias da semana que vocês treinavam?
I.L.C. - Quarta e sexta. Geralmente, quarta era físico e sexta coletivo. Começava às 16 horas.
L.S. - Depois do expediente?
I.L.C. - Isso, isso.
I.L.C. - E esse físico era o quê? Corrida, peso?
L.S. - Corrida, muitas vezes levavam na época, era um caminhão, soltava a gente lá em Tereré, a gente vinha correndo. Vinha correndo para ganhar resistência.
L.S. - Você atuou em outros times?
I.L.C. - Atuei. Atuei no Esportivo São Fidel, Estrela de São Fidel, Barcelo de Sonho da Barra, Santa Catarina de São Fidel, Floresta de Cambuci e mais alguns times. Disputei um campeonato no time da PEN.... eu acho que era o Brasileirinho. E pelo Santa Cruz.
L.S. - Você chegou a ganhar título?
I.L.C. - Muito.
L.S. - Qual era o campeonato que vocês mais atuavam?
I.L.C. - Era o Industrial e a Cidade de Campos.
L.S. - Qual era o grande rival, os grandes rivais de Santa Cruz?
I.L.C. - A gente tinha o Leão de Ururaí e o Paraíso de Tocos.
L.S. - E como era essa rivalidade, ela ficava mais dentro do campo ou ela se espraiava? Tinha confusão da torcida?
I.L.C. - Aquela rivalidade sadia, entre o jogador e dentro do campo, era aquela guerra, terminava o jogo, éramos todos amigos.
L.S. - Ficava no campo?
I.L.C. - Ficava no campo.
L.S. - Ficava no campo. Bom, o dono, na sua época, foi um dono só, o dono da usina Santa Cruz? Você lembra o nome dele?
I.L.C. - Isso, William Pitman.
Ivan em jogo nos anos 90, no estádio Ary de Oliveira e Souza.
L.S. - E ele ajudava o time?
I.L.C. - Ajudava, ajudava. A usina bancava o time de Santa Cruz.
L.S. - Aí, bancava em que termos? Ela construía o campo?
I.L.C. - Em tudo, construía o campo, material, jogadores que, às vezes, servia, era indicado para que a usina empregava.
L.S. - Entendi, entendi. E aí, a coisa interessante, para jogar no time era funcionário, tinha que ser funcionário da usina?
I.L.C. - Não, nem todos. A maioria era, porque, na época que eu joguei, a gente tinha bem poucos jogadores de fora. Aí, tinha aqueles jogadores que destacavam, a usina oferecia um emprego, mais ou menos, e eles vinham para completar a gente.
L.S. - Entendi. E, por exemplo, os jogadores, mesmo sendo funcionários, ganhavam alguma coisa por jogar no time ou não? Só ganhavam no trabalho da usina?
I.L.C. - Não, às vezes a gente ganhava quando os diretores achavam que, de acordo com o jogo, achavam que tinha que dar uma gratificação a gente.
L.S. - Entendi. O time tinha torcida organizada?
I.L.C. - Muita coisa.
L.S. - Essa torcida era o quê? Os moradores daqui?
I.L.C. - Moradores daqui.
L.S. - Uma pergunta, eu estava vendo algumas casinhas bem antigas. Essas casas têm a ver com a usina ou não? Ou têm nada a ver com a usina?
I.L.C. - Hoje, não, mas era tudo da usina.
L.S. - Ah, usina que construiu.
I.L.C. - Isso, isso. Hoje é tudo do antigo funcionário e teve muita gente que comprou. Tem funcionário que vendeu.
L.S. - Ah, entendi. Você lembra uma conquista especial, um título especial que você conquistou pelo Santa Cruz, um jogo, uma conquista mais marcante? Teve um jogo marcante que foi...
I.L.C. - Tivemos vários, mas um dos que mais marcou foi contra o Juventude da Baleeira, Cidade de Campos. Juventude da Baleeira, acho que foi em 1998.
L.S. - E assim, como é que foi o jogo? Você marcou gol?
I.L.C. - Não, não. O jogo foi...
L.S. - Estava difícil?
I.L.C. - Difícil, porque para jogar lá era complicado, porque era um time comandado por pessoas que queriam se impor e nós perdemos lá de 1 a 0 no jogo de volta. Eles vieram com a torcida muito grande, querendo botar terror e nós botamos 1 a 0, fomos para os pênaltis, fomos campeões.
L.S. - Que maneiro. Já teve jogo que marcou mais negativamente por briga? Rolou briga, essas coisas?
I.L.C. -Temos, termos, sendo que foi lá em Pureza e foi uma briga muito feia.
L.S. - E a briga... Ah, e tinha essa coisa, por exemplo, eu cheguei a ouvir, tinha, por exemplo, contestação de arbitragem nesses jogos ou não?
I.L.C. - Muita coisa.
L.S. - Tinha desconfiança de que havia uma treta, essas coisas? É verdade que as histórias de usineiro que molhava a mão de árbitro, corria entre vocês?
I.L.C. - Não, os diretores de times, sim.
L.S. - Diretores de times. Até então os usineiros não influenciavam muito, não se envolviam muito com os times, davam apoio, mas eles não se envolviam.
I.L.C. - Entendi. Coisa... uniforme. No caso, o dono da usina, o senhor Pitman, ele dava os uniformes também?
I.L.C. - O clube, além de comprar todos na festa de Santa Cruz, ele dava o uniforme todinho, do primeiro ao primeiro time. Material, chuteira, dava tudo.
L.S. - Dava tudo. Agora, por exemplo, quem lavava? Cada jogador lavava ou dava para alguém, todo mundo....
I.L.C. - Não, tinha um roupeiro do time.
L.S. - Tinha um roupeiro do time? Olha só. E transporte também, transporte para ....
I.L.C. - Dava o transporte, dava o transporte.
L.S. - É .... o jogo mais marcante, perguntei. Ah, tá, uma coisa. Quando você começou a jogar primeiro que a trabalhar, ou não, começou ao mesmo tempo, trabalhar na usina e jogar?
I.L.C. - Comecei primeiro a jogar.
L.S. - Quando começou, até depois, você chegou a pensar em seguir profissionalmente para um time maior?
I.L.C. - O filho dele, que era o Rubinho, e ele me levaria mais para eu jogar de lateral direito, porque na concepção dele eu jogava muito mais do que o jogador que estava lá, mas eu não tinha estatura para time profissional. E eu nunca gostei de jogar de lateral direito, eu não fiz força para ir.
L.S. - Aí você preferiu ficar.
I.L.C. - Fiquei aqui, porque foi logo assim também que eu me empreguei na usina, que antigamente era difícil. Eu já tinha começado o Carioca, então eu tinha que ficar um mês treinando de experiência. Nesse período, um mês dava justa causa, eu fiquei com medo de perder o serviço.
L.S - E hoje você já é aposentado pela usina? Não, porque a usina fechou...
I.L.C. - Eu saí bem antes de seguir carreira em outro serviço.
L.S. - Você lembra quando a usina fechou?
I.L.C. - Não lembro a data.
L.S. - Porque você falou que jogou até 90, até quando você jogou no time?
I.L.C. - Não sei se foi 2001, 2002, o último título meu de Santa Cruz.
L.S. - Você já ganhou o título na despedida. E a usina estava fechada já nessa época?
I.L.C. - Não.
L.S - Estava funcionando?
I.L.C. - Estava funcionando.
L.S. - Você lembra quando ela fechou?
I.L.C. - Não lembro a data.
L.S - Mas ela começou a dar sinais que ia fechar ....
I.L.C. – [...] de repente [o antigo dono vendeu] pro grupo do Zé Pessoa. Aí foi abrindo o bico, diminuindo.
L.S. - Para fechar, o time que você torce aqui em Campos é o Santa Cruz mesmo ou é outro time?
I.L.C. - Primeiro Santa Cruz, depois Goitacás.
L.S. - Tem a mesma cor, não é?
I.L.C. - Mesma cor.
L.S. - E lá no Rio?
I.L.C. - Flamengo.