Clara Figueiredo dos Santos
Graduanda do Curso de História
UFF/Campos dos Goytacazes
Na sua obra Mitos, Emblemas e Sinais (1991), mais especificamente no capítulo Sinais: raízes de um paradigma indiciário, Ginzburg procura esclarecer a origem da narração, que talvez tenha surgido numa sociedade de caçadores, os quais na intenção de transmitir através de pequenos traços uma situação ou evento que não podiam testemunhar diretamente, faziam uma sequência narrativa dos fatos. Ele intitula esse saber de paradigma venatório.
Ginzburg prossegue fazendo uma analogia, apesar do contexto social diferente, entre o paradigma venatório e o paradigma implícito nos textos divinatórios mesopotâmicos, que foram escritos a partir do terceiro milênio a.C., ressaltando que ambos requerem um exame minucioso da realidade para descobrir pistas de eventos que o observador não experimentou diretamente.
Ele aponta diferenças entre os dois modelos: a adivinhação era voltada para o futuro, enquanto que a decifração era voltada para o passado; porém as formas de interpretação, como por exemplo, as análises e comparações, eram formalmente idênticas. Ginzburg define o paradigma indiciário através dessa capacidade de descrever uma realidade indiretamente experimentável a partir de dados considerados irrelevantes.
O autor afirma que o paradigma indiciário começa a se firmar silenciosamente nas ciências humanas a partir do final do século XIX, e que era amplamente operante, porém não teorizado. Além disso, o contrapõe ao modelo positivista que predominava no início do século XX. Ginzburg discorre sobre o método usado por Morelli para atribuir os quadros aos seus verdadeiros autores. Morelli não se baseava nas características mais vistosas e imitáveis dos quadros, mas examinava os detalhes mais negligenciáveis e que não tinham tanta influência da escola que o pintor pertencia.
Ginzburg compara o método utilizado por Morelli ao método usado por Sherlock Holmes, um detetive, personagem principal dos livros escritos por Arthur Conan Doyle. E Freud, por sua vez, teria sido influenciado por Morelli antes de criar a psicanálise, propondo um método interpretativo que se baseava nos resíduos, nos pormenores, considerando-os reveladores. Morelli,
Doyle e Freud eram formados em medicina, e fizeram uso do paradigma indiciário baseando-se na semiótica médica, que consiste em diagnosticar doenças através de pistas consideradas sem importância. No caso de Freud, sintomas; no caso de Sherlock Holmes, indícios; e no caso de Morelli, signos pictóricos.
Ginzburg aponta que a história é uma ciência social ligada ao concreto, e que mesmo que o historiador se refira a uma série de fenômenos comparáveis, a sua forma de analisar um grupo social ou uma sociedade é individualizante. Sendo assim, ele compara o historiador ao médico, que analisa a doença de cada pessoa de forma individual e, ainda, compara o conhecimento histórico ao médico, afirmando que ambos são indiretos, conjecturais.
O autor, se utilizando de uma metáfora, compara os fios que compõem sua pesquisa aos fios de um tapete, onde a coerência do seu trabalho, representada pelos desenhos, se verifica olhando o tapete em várias direções.
Ele ressalta que o tapete é o paradigma que, de acordo com o contexto, pode ser venatório, divinatório, indiciário ou semiótico. No decorrer do texto, Ginzburg enfatiza um dilema que se instaurou a partir de Galileu: ou as ciências humanas assumiriam um estatuto frágil para chegar a resultados relevantes, ou as ciências humanas assumiriam um estatuto forte para se chegar a resultados com pouca relevância. Ele afirma que esse tipo de rigor é indesejável para os conhecimentos relacionados à experiência cotidiana, como por exemplo, o conhecimento histórico, que se relaciona diretamente com a cultura de um povo. Logo, para o autor, o paradigma indiciário possui um rigor flexível, em que as regras não se prestam a formalizações e nem são ditas; o faro, a intuição, seria de grande importância para esse tipo de método.
Ginzburg nos demonstra que além das provas visíveis, os indícios mudos também precisam ser estudados e investigados; ele nos convida a nos utilizarmos do paradigma indiciário, a produzirmos nossas análises a partir dos detalhes e da nossa criatividade e imaginação.
Referência bibliográfica
GINZBURG, Carlo. Mitos, Emblemas e Sinais. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
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