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Carlos Salvador Junior
Graduando de História/UFF/Campos



VEREDAS DO TRABALHADOR NO PODER*




ADAMINI, Marina. Cuando La Politica Es Fuego: El consenso social de Montoneros entre 1970 y 1972. Buenos Aires: Universidad Nacional de La Plata, 2009.





Trata-se do processo de construção do consenso social dos Montoneros pela luta armada. Em seis (06) capítulos, a autora discorrerá sobre os princípios, ideologias, conjuntura e estratégias da composição de jovens católicos, nacionalistas e de classe média, que no período de 1970 e 1972, sequestram e executam ex-presidente Aramburu (Pedro Eugenio Aramburu Cilveti, militar que reprimiu um levante peronista em 1956, autorizando o fuzilamento de 18 militares e 09 civis e acusado expatriar o corpo de Evita Perón para a Espanha), invadem territórios, assaltam bancos, repartem dinheiro e comida entre os pobres, são irrestritamente apoiados pelos sacerdotes integrantes do Movimento de Sacerdotes pelo Terceiro Mundo (MSTM), e baseiam-se no monopólio da violência, para combater a violência das forças repressoras, que segundo a ótica weberiana, caracteriza os Estados.
Inclusive a autora estabelece a relação do surgimento do grupo político-militar com a Guerra Fria, onde o mundo estava em disputa por dois modelos econômicos-políticos e social: Liberal Capitalismo x Economia Planificada.
Dentro desse contexto, a pressão sindical criava condições suficientes para os militares interromper o governo civil. O golpe militar se autodenominou “Revolução Argentina”. Em meio desse “caldo eruptivo”, em finais da década de 60, que surgem os levantes populares protagonizados por estudantes e trabalhadores das principais cidades do País. Organizações Armadas surgem nessa época para “responder com mais violência a violência do Estado”, disputando assim o monopólio da força e transformando a realidade.
A “Revolução Argentina” proibiu basicamente tudo. Não somente na política, como nas Universidades, na cultura, no cotidiano (proibiu beijar nas ruas e as mulheres de usar minissaias), dissolveu associações estudantis e sindicais.
Em meio ao clima de opressão, começa a mostrar-se a única resposta política possível a criação de grupos militares (na língua portuguesa, esses grupos são denominados paramilitares), como FAP (Forças Armadas Peronistas); FAR (Forçar Armadas Revolucionárias); ERP (Exército Revolucionário do Povo); e Montoneros. Todos os grupos, em 1969, estavam em treinamento para entrar em ação.
A radicalização se deveu mais por fatores sociais e políticos do que econômicos. Lutava-se pelo monopólio da violência como direito politicamente aceitável. Em um discurso, tomado pelos Montoneros como fundamento da luta, Perón perguntou retoricamente: “Que outro recurso resta ao povo, humilhado em seus direitos, senão responder violência com violência?”
Como consequência o discurso cristão se aproximou dos ideais socialistas dos Montoneros, influenciados pelos sacerdotes tecermundistas (MSTM). O Concílio Vaticano II condenou a pobreza, a injustiça e a exploração como resultado do afã humano de poder e riqueza.
Evangelizando segundo a palavra de Cristo, indignados com a opressão social, trabalhando junto com os pobres, esses grupos (sacerdotes tercermundistas e montoneros) se encontravam no peronismo.
O catolicismo e a radicalização entravam em consonância no “barril de pólvoras” denominado: América Latina.
Católicos militantes, nacionalistas, militantes de esquerda, peronistas combativos, todos se identificavam com as características montoneras, devido a expressão populista do socialismos e a riqueza de legitimidade histórica. Seguiam o catecismo gramsciano no que tange a construção do consenso social e desenvolvimento de ações e estratégias políticas para expressar suas ideias e aumentar a aprovação popular.
Todavia, dentro do movimento de vincular a postura de esquerda com setores socialmente importantes, existia espaço de repúdio. Os setores sindicais do peronismo sempre foram os antagonistas dos Montoneros, nunca o apoiaram.
O batismo público dos Montoneros ocorreu no dia 29 de maio de 1970, com o sequestro e execução do General Aramburu. O espírito romântico da ação e o viés de justiça, abarcam a ação que se distingue do terrorismo, pois a guerrilha praticada pelos Montoneros não generaliza o terror social, executando atos de violência indiscriminada. Eram ações voltadas para obter recursos econômicos e militares e desenvolver a propaganda armada. Propaganda essa criada para amedrontar o Governo, arrebanhar militantes e gerar condições subjetivas necessárias para estabelecer a “Verdadeira Revolução Argentina”.
A autora trabalhou com as fontes primárias no sentido de contextualizar e dar a conotação que cada veículo da imprensa divulgou. Percebe-se que a vexata questu estabeleceu-se também nas mídias escrita. Cada qual noticiava de acordo com as especificidades do corpo editorial. O La Nacion classificou em seus editoriais como “ato de ferocidade gratuita” e o Clarín pediu uma análise mais aprofundada para se descobrir as verdadeiras causas. O periódico Cristianismo y Revolución apoiava irrestritamente os Montoneros, afirmando que monstruosidade mesmo é 15% possuir mais bens que os 85% restantes. Era a justificativa para combater as injustiças sociais.
O Clarín realizou uma contextualização analítica em que repudiou a ação guerrilheira, veiculando a fala do Presidente Onganía e no mesmo exemplar, também interpelava o Governo em suas responsabilidades políticas frente ao assunto.
Paradoxalmente, a morte dos primeiros guerrilheiros (após tomada da localidade La Calera, fuga, prisão de dois envolvidos e as nefastas delações), provocou a primeira manifestação pro-montoneros. A morte era a honra materializada na entrega absoluta.
Em quatro meses, os Montoneros alcançavam a notoriedade que almejavam, entretanto seus rostos estavam expostos e sua estrutura organizacional a ponto de ser aniquilada.
Para o Clarín, a descoberta da origem dos Montoneros, que descendem da burguesia provincial, foi uma surpresa. Esses guerrilheiros, comprovadamente, pertenciam a setores insuspeitos da sociedade de tal inclinação.
 No ano de 1971, todos os integrantes eram conhecidos da opinião pública. O apoio e comoção da população pela causa era crescente. O general Perón, em pessoa, declarou apoio ao movimento, por meio de troca de missivas. Setores menos radicais do peronismo viam essa aproximação com prejudicial a uma negociação de saída eleitoral.
É bem verdade, que a autora enfatiza que os Montoneros nunca foram unanimidade. Sempre foram refutados, e quando apoiados, era com ressalvas. Partidos Políticos e setores do sindicalismo que “capitaneavam” a causa sem guerrilha. Mesmo assim, eram sucumbentes face a massiva aprovação popular, dinamizada pelo “Massacre no Aeroporto de Trelew”, onde novamente se utilizou do fator morte para arrebanhar mais e mais jovens revoltados com a opressão e a ditadura.
Nesse caso em especial, a fuga do Presídio de Rawson, foi planejada em conjunto com outros movimentos políticos militares, motivando ainda mais a busca pelo trabalhador no poder com base nos princípios peronistas.
Em 1972 as ações militares diminuem, muito devido ao retorno de Perón do exílio de 18 anos. O líder conseguiu temporariamente manter a unidade do movimento peronista com objetivo eleitoral do socialismo nacional.
Nesse liame, os Montoneros participaram ativamente da campanha eleitoral de Héctor Cámpora para Presidente, devido à impossibilidade de Perón se candidatar, pois deveria cumprir as cláusulas do acordo que permitiu o seu retorno do exílio.
Outros grupos políticos militares (ERP e FAL), não participavam ativamente da política em forma de presença nos comícios, pois entendiam ser uma estratégia de reformismo burguês.       
Talvez, essa seria a opção mais acertada. Pois a política promove a união e a cisão simultânea e intermitentemente. Não existe campo mais fértil para a sazonalidade de ideais e princípio do que na política.
A comunhão entre Montoneros e Perón foi criada a distância, no exílio. O amor platônico não pode acontecer, senão perde essa característica. Os Montoneros construíram o Perón que queriam, recortando seus discursos e introjetando na almejada seara revolucionária.
Com a sua volta, o cipoal doutrinário que sempre uniu, começa a desaparecer, devido a uma maior cumplicidade, por parte de Perón, com setores mais conservadores e menos radicais do movimento peronista.
Contudo, como a autora asseverou no brilhante trabalho de conclusão de curso, todos esses acontecimentos fizeram parte do arcabouço de estratégias de legitimação social dos Montoneros, composta pelo uso mínimo de violência e seleção extremamente política dos seus objetivos e para não perder a simpatia e adesão da população argentina.



* Originalmente apresentada como trabalho final da disciplina América III (1/2016).

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